segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Por antecedência


Antes de qualquer coisa, eu quero que você saiba daqueles pedaços de neblina espessa que minha mente produz e você diz gostar. “Adoro a neblina dos seus pensamentos”. É o que você diz e, antes de qualquer coisa, memorize que o mundo fica mais bonito com essas suas frases coloridas. Mas é que eu assustei. Eu sempre assusto. Como quando você olha atrás de mim, fingindo que tem algo horrível por lá; ou quando você teve aquela alergia repentina e eu fiquei sem saber o que fazer; ou quando a ventania te trouxe pra tão perto da minha neblina. Perto demais. Me desculpa, assustei tanto que nem sei como dizer. Mas antes de qualquer coisa, me deixa explicar que sua calmaria desafiou meu furacão e que de indie, passei a ouvir rock e depois voltei ao indie de novo só por que me lembra você. Gosto de você, mas gostar é algo tão difícil de sentir que, por um segundo, estou subindo o Everest bêbada e sem uma das pernas, mas se isso fosse verdade, eu não sentiria frio. Porque, antes de qualquer coisa, entenda o quanto você me aquece e guarde essa frase com um laço em cima. Antes de qualquer coisa que aconteça. Antes que eu desfaça o texto, disfarce as palavras, destrua o sentimento. Antes de qualquer coisa se tornar um pouco mais de neblina nos meus pensamentos.


Por Jenifer Lima

domingo, 11 de outubro de 2015

Dipirona


Cantarolo baixinho enquanto perpasso os dedos nas lombadas dos muitos livros de uma das minhas estantes. Estou absorta, mas percebo tua presença ao meu lado, que me olha com um pequeno vinco entre as sobrancelhas. Temido vinco. Quero tirar os dedos de um livro de capa dura e colocar sobre tua pele macia, desfazer o vinco, refazer teu sorriso, fazer de conta que esse gesto faz sentido. Não faz. O vinco continuará ali.
Há dois meses, encontramos um iceberg daqueles dignos de filme com Jack e Rose. Tentei desviar. Batemos de cabeça e não há dipirona no mundo que suma com a dor. Ontem à noite, enquanto eu me livrava do resto de gelo, você fazia questão de congelar este vinco na testa oleosa, perto das sobrancelhas bonitas. Quero coragem para deixar de olhar os livros na estante e te dizer bem baixinho o quanto eu gosto da cor de folha seca das suas sobrancelhas, mas a coragem ficou junto com o iceberg no oceano das tristezas. Meu cérebro me censura pelo melodrama dos pensamentos.
- Eu vou embora.
- Eu sei.
E sei mesmo, tanto é que já tomei aquele tal dipirona, tanto é que deixei suas coisas separadas, tanto é que não consigo olhar para as suas sobrancelhas sem perceber que estou como elas. Seca.
- Eu disse que vou embora.
- E eu disse que eu sei.
Quero dizer algo mais inteligente, mas então nós seríamos o primeiro casal com término culto, assim como fomos o primeiro casal a usar gelo para causar a dor e não para adormecê-la. Retiro um livro de autoajuda com um título parecido com “Cola para corações quebrados” e te entrego como quem devolve um rim para um doador egoísta. Você o pega e disfarça um sorriso. Nosso primeiro livro para nosso último segundo. Meu melodrama me assusta mais uma vez.
- Não vai precisar dele?
- Não vai funcionar.

Você foi embora. Levou o livro e a cola. Deixou o gelo e uma cartela vazia de analgésicos inúteis. Eu já sabia.

Por Jenifer Lima

domingo, 13 de setembro de 2015

Ambivalência



Teus dedos finos são maiores que os meus. Adoro observar nossas mãos espalmadas dessa maneira e me sentir pequena no teu abraço, grande no teu olhar, veterana no teu beijo, novata no jeito de amar.
Hoje invernou lá fora, já não era sem tempo. De temperatura alta já me basta teu hálito quente. E enquanto ele sussurra, me permito um devaneio insípido. Como seria se tu, de repente, sumisses?
Eu, provavelmente, continuaria aqui, nessa mesma varanda, deitada nessa mesma rede, mas prestes a cair. Um cair metafórico, veja bem, nunca tive coragem de tornar real.

Teus dedos finos são maiores que os meus. Espero que eles me segurem, caso eu caia. Tu me olhas diferente. O devaneio acaba. Sobrancelhas unidas, respiração próxima, o resultado é um beijo quente. A metáfora muda de tom, teus dedos não me seguram, eu começo a cair lentamente. Caí na tua estrada, no teu amor, na tua graça. E não tem melancolia, a queda dessa vez é segura, o gosto é bom, tem cheiro de mar. Olha aí... Hoje invernou, mas como sempre, tu me fazes veranear. 

Por Jenifer Lima

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Degraus



Pela primeira vez, saio do cômodo onde deixo esparramados os pensamentos secos, atravesso o curto corredor e me conforto com o que já me é sabido. Não há ninguém do outro lado da rua à minha espera. E dessa vez me convenço de que está tudo certo. Tudo consertado. Não preciso que alguém me espere. A vida corre em maratonas e, mesmo suada, continuará correndo. Não tenho tempo para olhar para o outro lado da rua, não posso esperar pelo elevador. Tenho pressa. Desço pela escada, adentro o mundo, me inscrevo na maratona da vida e corro com passos errados. Está tudo certo. Tudo consertado.

Por Jenifer Lima

sábado, 15 de agosto de 2015

Chá gelado



Tanta coisa nova debaixo do sol.
Mudei de perfume, mas ainda ouço indie enquanto me arrumo.
Não bebo mais chá.
Gelamos o clima, a química, a física. E eu detesto chá gelado.
O cabelo está mais longo, as unhas mais curtas, mas continuo com a janela aberta e a alma maquiada.
Mudamos de lua, de rua, de rima.
Agora faço textos em prosa. As palavras se encaixam menos que os pensamentos.
Deixamos de fazer poesia, carinho, sentido. Sentindo. Sinto muito. 
E agora num caderno que, de tantas folhas arrancadas, emagreceu. Me apresento e escrevo em letras simpáticas "quem é você?"
Prazer em reconhecer.

Por Jenifer Lima

domingo, 19 de julho de 2015

Quebra-cabeça



“Encaixa”.
Você que disse. Numa esquina que, desavisada, serviu de pista de dança para um amor que adora valsa. Samba. Folk. Qualquer música que pudesse nos embalar, confundir nossos braços, nossas pernas, nossos batimentos.
Encaixava. E eu sorria. Eu respirava. Eu cabia.
Encaixa.
Um quebra-cabeça humano instigante pela quantidade de peças e você, que nunca deixou um desafio escapar. Você que me montou. Acomodados no chão de uma sala à meia luz que, desavisado, serviu de cama para uma paixão que adora verão. Inverno. Outono. Qualquer estação do ano, do rádio, do trem que pudesse nos aproximar, fundir nossos olhares, nossas línguas, nossas vontades.
Peça por peça.
Encaixava.
Peça.
E eu sorria.
Despeça.
Eu respirava.
Pedaço.
Eu cabia.
Despedaçada.

Por Jenifer Lima

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Quase



Trezentos e sessenta e cinco dias. Dizem que iniciar textos com contagens desse tipo os tornam dramáticos. De drama eu entendo bem.
Sabe, eu poderia contar as horas, os minutos e assim vai, mas particularmente, o nível de drama pouco importa.
Por volta desse horário, há um ano atrás, você me asfixiou. Dedos se alojaram ao redor da minha garganta e eu quase desfaleci. Mas fiquei no quase. Eu quase morri. Mas fiquei no quase. E qualquer coisa doeria menos que o quase. O quase é injusto demais.
Meu (des)querido, não vou me alongar, eu só rascunho essas linhas pra dizer que fui quebrada, mas estou quase inteira. Mas só eu sei que o quase... Ah, você sabe, o quase é casa sem teto, coberta rasgada, chuveiro queimado, é meia sem par. O quase é congelante. Eu tremo, arrepio, petrifico. Eu quase morro. Mas fico no quase. Até ano que vem.

Por Jenifer Lima