terça-feira, 29 de julho de 2014

Conto sem fadas


Houve um tempo em que o sol fez birra, se recusou a nascer. E foram dias a fio na escuridão. Além da escuridão, havia o frio e esses dois elementos formavam a tristeza. A pobre garota já não sabia quando era dia, nem quando era noite e sofria em silêncio enquanto via as pessoas acenderem suas lâmpadas. Sua lâmpada não acendia, havia queimado há anos e, por ter se afeiçoado ao sol, não comprara outra. Por causa disso, entristecia ainda mais.
Entregaram-lhe uma lâmpada emprestada, mas a tristeza apenas se multiplicou. Não era a mesma coisa. Os dias se passavam, as flores murchavam e a grama dos parques secou. As pessoas já não saíam mais de suas casas, fosse por causa da escuridão, fosse por causa do frio. E a garota? Bem, a garota entristecia.
E entristeceu tanto que achou que não aguentaria. Pensou ser seu fim, deitou no frio ensandecido, abraçou a escuridão e esperou... esperou... até que dormiu. No dia seguinte, amanheceu. Amanhecer? Ora, não foi o sol que resolveu sair, foi a pequena garota que refez seus dias, apagou sua lâmpada emprestada e acostumou os olhos à escuridão. Não precisava mais do sol, a garota aprendeu a ser dia.
Não houve felizes para sempre, nem príncipe encantado, a protagonista estava longe de ser princesa, mas desse conto, a menina gostou.

Por Jenifer Lima

terça-feira, 15 de julho de 2014

Aquietai

É tarde.
Meu quarto está bagunçado, reflexo de meu estado mental. Durmo na sala para não encara-los. Preciso remarcar reposição de duas aulas que a preguiça de pensar me fez marcar justamente nos dias e horários mais inconvenientes. Acabo de tomar um remédio que provavelmente me fará sentir sono em alguns minutos, o que é bom considerando que encontro a cada noite um convite para fazer qualquer outra coisa, menos dormir. Acabo de responder a uma pessoa a quem dou minha amizade dizendo que está tudo bem. Não que eu não goste de receber amizade em troca, mas deste tipo vem cheia de conselhos dos quais estou pouco a fim.
É tarde.
Eu deveria estar dormindo, como disse, e parece que eu não me cuido muito bem, não ligo muito pra mim, não sou suficientemente atenta. Não pense assim. Eu só estou, não sou. Aliás, já faz um tempo que só estou. Acho que vou bem assim, por enquanto. Talvez em algum momento eu exploda, de alguma forma, chorando compulsivamente ou sentindo alguma dor física. Rotina angustiante, que, descobri, todos temos. Eu não tinha. Levava a vida da forma mais leve possível, colocava pra fora quem eu era, supunha saber quem eu era, o que queria. Agora sou só mais uma, sofrendo como todo o mundo, sobrevivendo como cada pessoa aqui, só.
Achei que ser artista seria a vávula de escape, me faria surpreendentemente diferente. Talvez faça sentido algum dia, mas ainda estou classificada como pessoa comum, por indivídua que seja. Incomodada. Não faço mais diferença na vida das pessoas, não como costumava fazer. Eu estava lá nos momentos em que mais precisavam, elas viam isso, eu era amiga de verdade, exageradamente honesta, buscava em tudo integridade, e hoje parece tão distante e inatingível. Cansativo.
Insisto em dizer que estou bem a quem tenta se importar, decifrar. A quem sei que é capaz de entender eu falo a verdade, às vezes. Penso que se toda a vez que eu me angustiasse dissesse pra alguém, afastaria-os de mim, assim como já me afastei de quem tinha essa sinceridade comigo. Bem injusta, mas o que posso fazer? É um tipo de proteção: não esperar nada de ninguém, não dar nada que possa ser recompensado.
Sei de muita coisa, por poucas que sejam. Comparadas ao que faço, o que sei forma um monte bem grande. Mas espero ouvir. Aprender. Desisti de ser perfeita, por mais que doa. Sei por exemplo que é um caminho arriscado, mas o outro também era, o chamado perfeccionismo. Não há segurança por aqui, todos sabem disso, mas preferem se render ao pensamento mediano que guia a nós, cegos.
Tenho necessidade de ser elogiada, mas em mim não há nada realmente digno de elogio. É preciso mais tempo, mais esforço, sempre mais, sempre falta. O sono é grande, talvez eu acorde com preguiça e força para encarar tudo de novo. Um dia após o outro, e nada é como isso. Melhor ir.
É tarde.
Carolina Prado

terça-feira, 1 de julho de 2014

Descrição


Subitamente há um frio que se espalha do centro do seu corpo para a periferia. Parece que seu sangue passou por um repentino resfriamento e a cada segundo que passa está se petrificando dentro de você, enquanto seu coração faz uma força além do normal para conseguir continuar bombeando por todos os muitos vasos que formam seu corpo. É então que aparece a sensação de que seu corpo é formado de muitas coisas, é muito grande e não te cabe ou talvez você esteja apenas diminuindo cada vez mais. A ideia de que daqui a alguns segundos você irá simplesmente desaparecer de dentro de si, faz com que o tremor comece. Inicialmente são os dedos das mãos que saem de sincronia e começam a tamborilar o ar, você tenta, mas não consegue parar. Daí pra frente, como você sabe, todo o seu corpo irá tremer. Seus ombros sacolejam de uma maneira estúpida. Sua alma sacode. Até mesmo seus pensamentos estão trêmulos e gelados. Você sente que vai chorar e fecha os olhos em sinal de derrota. O choro é denso e possui mãos de ferro que agarram toda a extensão do seu peito e garganta, até que sai em lágrimas rechonchudas. Seu choro nunca é fino, assim como a tristeza nunca é afável. Com os olhos abertos, você vê o mundo se deformar atrás das lágrimas e se sente mais confortável, o mundo deformado se assemelha ao seu coração. Você tenta inspirar. Já não consegue. É estranho como há um segundo atrás a respiração fluía, mas agora seu tórax queima ao inspirar e parece que algo amassou seus pulmões de tal forma, que não mais expandem. Você expira. Expirar é mais fácil e você tenta prolongar o ato, mas logo precisa inspirar novamente. E mais dor. E mais queimação. Suas narinas parecem dois buracos extremamente inúteis e as lágrimas aumentam em quantidade e espessura. Você se sente humilhada. Estar vivo é estar respirando. Sua falta de ar só confirma de que você não é mais um ser vivo, apenas sobrevive com um penhasco de dor dentro de si. Você tenta inspirar pela boca. O resultado é quase o mesmo, exceto que agora você solta um som agonizante a cada vez que tenta reter o ar. Seu cérebro lembra a cada ínfima parte do seu organismo de que se essa falta de ar durar mais alguns minutos, não haverá oxigênio para nada. Isso deveria fazer com que tudo se acalmasse e seu gasto de energia diminuísse, mas o botão do desespero foi acionado e tudo em você está gritando, exigindo pelo ar que está em tanta abundância ao seu redor. O som agonizante vai aumentando de volume, a inspiração e a expiração tão frequentes quanto suas tristezas. Seus dedos começam a formigar, e você sabe que, se estivesse de pé, não conseguiria se deslocar. Ainda bem que você sabe, pois desde o frio súbito, você deitou. E deitada, você percebe que se não estancar rapidamente esta falta de ar, perderá o sono e, sem dormir, você vai estar ainda mais cansada para enfrentar o mundo no dia seguinte. Eu não consigo enfrentar o mundo, você pensa. Mas então você se lembra de que pensou o mesmo ontem e antes de ontem e antes de antes de ontem, então é bobagem continuar pensando o mesmo. Quando vai ver, a falta de ar acabou, o choro, o tremor e o frio também. Só a dor continua lá, mas o importante é que você dormiu.

Por Jenifer Lima