sábado, 24 de agosto de 2013

Escolha


Foi a garotinha quem tomou a iniciativa: após nossa troca de sorrisos, ela veio até mim e disse com convicção "quando eu crescer quero ser igualzinha a você". Pedi que, por favor, não. Não, não, não. Pedi pra ela escolher outra pessoa, pra ela rir mais, conversar mais, se encaixar mais, pra ela ser mais. Pedi pra brincar, correr, cair e superar; não levar nada muito a sério, viver de pôr-do-sol, de pote no final do arco-íris, de paredes desenhadas. Viver de graça. Com graça. Pedi, supliquei, até chorei, mas sem ela ver nem ouvir nada. No fim das contas, só falei que também queria ser igual a ela quando crescesse. O problema é que já não dá mais tempo de crescer. Nem de escolher.


Por Jenifer Lima

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Invisível


Ontem senti saudade. Não aguentei. Peguei a caixa. Aquela, escondida, empoeirada, aquela que tem você, misturado a todos os motivos de insônia, de lágrimas, de pensamentos evitados. Não te evitei dessa vez. E sofri. Mais uma vez. Como da última vez. E me culpei. Porque é isso o que eu faço quando a saudade aperta e eu me lembro de você falando as frases mais clichês, as metáforas tão rasas, aquilo que usa com todo mundo, e eu sempre insistindo em ser profunda demais, criteriosa demais, e fraca. Porque você nem sabe que eu estou aqui, abrindo a sua caixinha, porque você não mudou as frases nem as metáforas, mas você mudou de mim. Eu não mudei de você, não mudei de mim, continuei a mesma profunda, criteriosa. Só me tornei fraca. Do tipo que não aguenta de saudade, do tipo que te esconde em caixas, do tipo que finge ser forte, do tipo que ninguém vê.

Por Jenifer Lima

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Idades desconcertantes


No vagão, terno azul marinho
Sapato social marrom
Cachecol solto, pendurado, preto
Pele alva, fragilizada, óculos
Touca listrada, um livro
Uma caixinha de câmera fotográfrica
Um bloco de anotações
Anotações coloridas, caprichadas
Um colar com crucifixo
Seguro de si, já idoso

Não tive como não olhar
Ficou sem graça ao perceber
Desconfiado tentou encarar
Por pouco tempo se pôde deter

No vagão da frente
Uniforme corinthiano
Pequeno, garotinho, inocente
Olhei, ele olhou
Esbocei um sorriso
Mostrou-me seus dentes
Sorri largamente
Ele também, sem parar
Fiquei sem graça, desviei o olhar

O que é que nós humanos
Achamos que revelamos?
Quanto mais o tempo passa
Mais segredos nós guardamos

Por Carolina Prado