terça-feira, 18 de março de 2014

Louca


Tiro as roupas do varal para o caso de chover; coloco comida a mais para os cachorros, vai que eu demore a voltar; eu sei que tem uma caneta dentro da bolsa, mas é melhor comprar outra, imagina só se a primeira começa a falhar ou fica sem tinta e por um instante eu não tenha como escrever; te olho sem expressão e, por via das dúvidas, te digo um não baixinho. Minhas mãos tremem, ainda estou amedrontada com a possibilidade de não conseguir escrever quando a vontade vier, será que meu bloquinho tem folhas suficientes?
Você me diz que o não veio cedo demais, que nós ainda nem temos os motivos certos para ele, você é sempre tão a favor de continuar as coisas. Penso que há uma frase se formando dentro de mim, provavelmente cheia de antíteses e metáforas, mas tenho medo que ela saia antes que eu consiga filtrá-la. Meus textos são peneirados pela covardia e por isso são magros e ossudos. Você está tagarelando e eu me sinto péssima por não te ouvir, mas estou procurando alguma comparação boa o suficiente para descrever a forma das suas sobrancelhas perturbadas e sobre como você mexe a cabeça de um lado para o outro, como se não achasse uma fala boa suficiente que penetre na minha antecipação forçada. Você fica bonito preocupado.
Então me surge mais um conto mal acabado de como a gente poderia ser infinitamente feliz num domingo à tarde em pleno inverno. Você nem sabe, mas já estivemos em todas as estações do ano, já colorimos todos os olhares nublados, já acarinhamos todas as tristezas sem sentido. Vivemos demais. Em cada madrugada de verão vivemos anos inteiros e reunimos lembranças que já completaram bodas de ouro.
Existimos em todas as linhas de um monte de textos sem começo nem fim e eu te garanto, nós sorrimos em cada uma delas. Te digo não, mas escrevi um sim em letras garrafais numa folha de caderno. Te digo não, mas minhas mãos não param de tremer na ânsia de testar a caneta que eu comprei, pra nós dois vivermos mais um pouco no meu bloquinho rabiscado. Te digo não porque sei que se dissesse o contrário não mais seria capaz de escrever. Então, por favor, não deixe de ser meus rascunhos, minhas histórias imaginárias, meus sonhos mal contados. Não deixe de ser meu, mesmo que apenas no papel.

Por Jenifer Lima

Nenhum comentário:

Postar um comentário