Tiro as roupas do
varal para o caso de chover; coloco comida a mais para os cachorros, vai que eu
demore a voltar; eu sei que tem uma caneta dentro da bolsa, mas é melhor
comprar outra, imagina só se a primeira começa a falhar ou fica sem tinta e por
um instante eu não tenha como escrever; te olho sem expressão e, por via das
dúvidas, te digo um não baixinho. Minhas mãos tremem, ainda estou amedrontada
com a possibilidade de não conseguir escrever quando a vontade vier, será que
meu bloquinho tem folhas suficientes?
Você me diz que o não
veio cedo demais, que nós ainda nem temos os motivos certos para ele, você é
sempre tão a favor de continuar as coisas. Penso que há uma frase se formando
dentro de mim, provavelmente cheia de antíteses e metáforas, mas tenho medo que
ela saia antes que eu consiga filtrá-la. Meus textos são peneirados pela
covardia e por isso são magros e ossudos. Você está tagarelando e eu me sinto
péssima por não te ouvir, mas estou procurando alguma comparação boa o suficiente
para descrever a forma das suas sobrancelhas perturbadas e sobre como você mexe
a cabeça de um lado para o outro, como se não achasse uma fala boa suficiente
que penetre na minha antecipação forçada. Você fica bonito preocupado.
Então me surge mais
um conto mal acabado de como a gente poderia ser infinitamente feliz num
domingo à tarde em pleno inverno. Você nem sabe, mas já estivemos em todas as
estações do ano, já colorimos todos os olhares nublados, já acarinhamos todas
as tristezas sem sentido. Vivemos demais. Em cada madrugada de verão vivemos
anos inteiros e reunimos lembranças que já completaram bodas de ouro.
Existimos em todas as
linhas de um monte de textos sem começo nem fim e eu te garanto, nós sorrimos
em cada uma delas. Te digo não, mas escrevi um sim em letras garrafais numa
folha de caderno. Te digo não, mas minhas mãos não param de tremer na ânsia de
testar a caneta que eu comprei, pra nós dois vivermos mais um pouco no meu
bloquinho rabiscado. Te digo não porque sei que se dissesse o contrário não
mais seria capaz de escrever. Então, por favor, não deixe de ser meus
rascunhos, minhas histórias imaginárias, meus sonhos mal contados. Não deixe de
ser meu, mesmo que apenas no papel.
Por Jenifer Lima