quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Beijo de despedida

Era uma mulher bonita - daquelas de suspender respirações; realizada; e dona do próprio nariz. Podia trabalhar em qualquer lugar, usando a roupa que quisesse - e disso ela abusava, como naquele momento, com um vestido preto de festa e lábios provocantemente vermelhos. Os olhos misteriosos deixavam claro que quanto mais dramático fosse, melhor seria sua atuação. E ali, na Praça Dom Felipe, em plena tarde de segunda-feira, ela iniciava mais um dia de trabalho.
Olhando ao redor, ela viu um senhor sentado num banco da praça com um jogo de xadrez logo à frente de si. Ele tinha aquele charme que só alguns fios de cabelos brancos podem dar, era sim meio barrigudo, essa coisa da meia-idade, mas, de qualquer forma, para o que ela queria, isso pouco importava, então resolveu ir até ele.
- Que tal uma companhia para jogar? - ofereceu sem sequer titubear. Confiante.
- Não, obrigado. Eu espero um amigo - respondeu escondendo o real motivo: nunca se diz sim para uma bela mulher desconhecida, você pode acabar morto, casado ou pobre. Trocando em miúdos, medroso.
A moça se retirou e sentou-se num banco logo ao lado. Não demorou muito para o outro senhor chegar. O tal amigo esperado. Era menos barrigudo e de sorriso mais espontâneo, merecia uma atenção maior.
Os dois senhores trocaram cumprimentos e começaram a jogar presos em sua rotina de toda seguna-feira, enquanto a mulher arrumava-se no banco de forma que pudesse ouvir a conversa.
- A praça anda bem frequentada - comentou o recém-chegado.
- O governo tem feito um bom trabalho e...
- Ora, Márcio, eu estou falando na moça aqui ao lado - mumurou rindo do amigo.
Sem nem disfarçar, ela olhou-o dos pés à cabeça mexendo no cabelo. Maldita seja essa mania feminina.
- Então você também a notou? - sussurrou o tal Márcio.
- Claro, eu sou casado, não cego - confirmou com um sorriso dançando nos lábios.
Então ele é casado, pensou a mulher. Realmente importava se, no fim das contas, tudo resultaria nas lágrimas de uma esposa mal-arrumada? Nem um pouco. Na verdade, para ela, até deixava a história mais interessante.
- Ela me parece meio estranha...
- Xeque! Desculpe, o que você disse?
- Bem, nada. Eu vou mover o bispo.
O jogo continuou e a conversa foi passeando por vários assuntos: a gripe do filho mais novo; o futebol da quarta-feira passada; o vizinho sem escrúpulos que se envolvera num acidente de carro; o feriado de finados no dia seguinte.
- Eu vou levar flores para a minha mãe, se fosse eu, gostaria que alguém me visitasse no dia de finados - dizia Márcio.
- Ah, faça-me o favor! Ela está morta e, ainda por cima, cheirando mal! Você acredita em cada coisa... - Pedro ria e a mulher não pode deixar de revirar os olhos por ele ser tão incrédulo.
- Não é que eu não acredite, é mais como uma precaução, se for verdade, eu estou com as contas em dia...
- Tudo bem, mas você acaba de perder um cavalo!
Já no fim da tarde, o jogo acaba com Pedro vitorioso.
- Você, como perdedor, pode me dar uma carona pra casa?
- Próxima semana eu reverto essa situação e sim, eu posso levá-lo para casa depois de buscar meu filho na escola...
A moça se levantou e foi tão levemente até o banco onde os senhores conversavam que eles só perceberam quando ela pigarreou e começou a falar numa voz macia:
- Desculpe ter ouvido parte da conversa, mas eu achei por bem vir oferecer uma carona - sorriu para Pedro, que parecia surpreso.
- Ah, seria ótimo, não é, Márcio? - o pobre Márcio só pode abaixar a cabeça e guardar o jogo, não queria se envolver na possível aventura do amigo.
- Eu vou buscar o carro
Assim que a mulher saiu, Márcio começou a falar:
- Eu não acho que seja uma boa ideia, Pedro!
- Como não? Menos trabalho para você...
- Você nem a conhece!
- É só uma carona!
- Não se faça de sonso, eu não sou idiota. Você sabe muito bem o que eu penso sobre isso...
- O quê? Morto, casado ou pobre? Você diz isso desde os tempos de ginásio - Pedro ria descrente - Casado e pobre eu já sou, ser morto não está nos meus planos, então não há com o que se preocupar!
- Faça da sua vida o que quiser, eu vou embora - Márcio saiu sem nem despedir-se.
Ao entrar no carro, Pedro disse seu endereço e logo puxou conversa.
- Será que amanhã vai chover? É quase uma tradição de dia de finados...
- Com certeza vai, para deixar o dia mais... morto - disse gargallhando com um humor negro característico.
- Será que eu posso saber seu nome?
- Você vai saber meu nome logo, logo, Pedro - ela disse com um sorriso nada dócil.
- Isso não é naa justo...
- A vida nunca é.
O carro estacionou em frente à sua casa aparentemente vazia e Pedro finalmente admitiu para si que Márcio estava certo, ele não deveria ter entrado naquele carro.
- Obrigado pela carona, mas eu preciso ir agora - falou sinalizando que já não queria mais ir além.
- É, Pedro, você precisa ir - a mulher parecia calma, a voz sem um pingo de desapontamento e ele estranhou.
- Então, até mais.
- Espere - ela se aproximou o quanto pode do banco do carona e selou rapidamente os lábios nos de Pedro. Um beijo gelado em pleno verão - Até daqui a pouco.
Pedro saiu do carro olhando ao redor para ver se nenhum vizinho havia presenciado a cena, aquilo havia sido um erro, um terrível erro. Quando o carro finalmente sumiu de sua visão, ele entrou em casa chamando pela esposa enquando limpava a possível marca de batom que deveria ter ficado em sua boca. O alívio veio ao perceber que a casa estava vazia. Sua esposa nunca o perdoaria se soubesse o que acontecera. Para desviar os pensamentos quee teimavam em continuar dentro daquele carro, ele ligou a televisão e foi certificar-se que não havia nenhuma mancha ou cheiro que o denunciasse. Ao parar em frente ao espelho, ele não viu relfexo algum, exceto de alguns móveis do quarto.
- O que raios está acontecendo? - ele esbraveja.
- Um senho acaba de ser encontrado morto na Rua Doutor Faustino - a repórter do plantão de notícias fala na televisão e ele fica surpreso, aquela é a sua rua. Lentamente ele se afasta do espelho em direção à sala e contempla na tela da TV seu próprio corpo inerte, na calçada em frente à sua casa, com alguns médicos ao redor.
- Não... É impossível... Eu não posso estar... Não! Como? Quem? - Ele volta para o espelho, batendo os punhos contra ele ao ver que nada mudara e logo se lembra claramente do rosto do seu amigo ainda jovem dizendo:
- Nunca se diz sim para uma bela mulher desconhecida, Pedro, você pode acabar morto...
A gargalhada da mulher parece ecoar de cada canto da casa e ele, amedrontado, tapa os ouvidos inutilmente. Era esse o nome dela, então? Sombria, sedutora e assustadoramente fria. A descrição se encaixava fielmente. Seus dedos passam por seus próprios lábios e ele se lembra do beijo. Desgraçada! Como pode ter-lhe roubado a vida em um simples beijo?
- Por quê? - ele grita sem esperar pela resposta que veio sem demora.
- Não dá pra ser dia de finados, se não tem um morto - a voz macia como veludo negro diz e ele procura aterrorizado de onde ela vem, mas todas as luzes de apagam no mesmo instante em que ele perde os sentidos.
- Muito prazer, Pedro, meu nome é Morte!


Por Jenifer Lima


- Eu sei que o post é enorme e eu considerei não publicá-lo, maaaas, eu realmente gostei dele! E ele surgiu um pouco... forçado. Meu professor de português (e abro parenteses pra dizer que já estou nostálgica por ter terminado o terceirão!) nos deu um tema muito vago e nos mandou criar um conto e declamá-lo logo três dias depois. Então após algumas ideias das minhas amigas e da minha irmã, eu me tranquei no quarto por dois dias e escrevi isso tudo! Então, é isso, espero que tenham gostado deste conto de finados -

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